O chafariz é um estado de espírito. Você acorda chafariz - e nem sabe muito bem porquê. Pode ter sido um sonho que você teve à noite e já nem lembra mais; pode ser talvez o clímax de algum ciclo metabólico; pode ser uma secreta conjunção de planetas que só a você é favorável...
Não importa. O que importa é que há dias em que você acorda chafariz do mesmo modo como o chafariz acorda, de repente, no meio da praça: exultante. Jorro que sobe num jato de densa luz e se desfaz em gotas que tamborilam de volta no espelho d'água, o chafariz incessante dança a música que ele mesmo faz. De si e para si contente, o chafariz envolve a praça numa nuvem úmida de alegria - pois, se o chafariz é um estado de espírito, a alegria certamente é úmida...
Enfim,
quando você acorda chafariz, tudo são
flores.
E flor é o que não falta na
praça, exuberando no sol de abril do
Rio - que chamar de outono é quase
dizer o contrário do que é de
fato este veranico primaveril, tão
luminoso e cálido.
Há flores em quantidade, nos quatro
quiosques da praça. E, com se já
não bastasse a sutilíssima variedade
de cores e perfumes que elas oferecem, há
o encanto sonoro de seus nomes. Sob o fundo
verde das samambaias e cercados por uma corte
de violetas e begônias, formam-se pares
que parecem ter saltado de um conto de fadas:
a Gloxínia e o Lisianto, o Crisântemo
e a Prímola, o Amarilis e a Azaléia,
o Ciclamem e a Gérbera, o Lírio
e a Bromélia... Dançam no grande
salão que é a praça ao
som do chafariz orquestral, esses casais de
sonho, Romeu e Julieta que deram certo, histórias
de amor com final feliz...
E aí, meu anjo, não há como não lembrar de ti. Não há como não te imaginar uma gloxínia e a mim mesmo um lisianto que hoje acordou tão chafariz...
E que, diante da súbita e inexplicável urgência de te cobrir de flores, descobre que não haveria hoje nenhuma que te fizesse juz - ainda mais se você viesse naquele teu vestido branco de rendas do Pará.
Haveria
então que inventá-la. Que nome
teria a flor que eu te daria? Flanélia.
Sim, eu viria com uma caixa vazia de flanélias
só visíveis aos teus olhos gloxínios
- que choram, líricos, só de
ver uma criança pobre ou, bromélicos,
se iluminam quando passa o bonde.
E te diria, "Repara, meu amor, o azul
do perfume delas. Azul de mar e céu
noturno... Sente a textura abstrata destas
pétalas que se confudem com a tua pele.
Sente.. São flanélias que inventei
para ti - eternas e etéreas como soa
ser o amor quando é feliz...".
E, me aproveitando do momento, pediria tua mão e convidaria a todos os viventes para o nosso crisantemo - que assim sem acento mais parece nome de sacramento. Um sacramento que tem como única regra e compromisso o verso de Vinícius: "Que seja infinito enquanto dure".
E então todos os casais felizes deste mundo viriam ter na Praça para celebrar seus crisantemos - abençoados que seriam por esse Deus-Chafariz que não é ordem nem necessidade, mas puro acaso e improviso.
E a Praça em festa se converteria numa espécie de Arca de Nóe sem desgraça de onde partíriamos, nós, os felizes, para inundar o mundo.