26 de junho de 2000
Era Dia dos Namorados (2)

A policia assassinou o criminoso dentro do camburão por asfixia. A polícia especial, a tropa de elite. É razoável supor que era extamente isso que o criminoso mais temia. Logo, a violência policial está na origem de todo o problema.

É verdade que, naquele momento, todos nós gostaríamos de não só matar Sandro, Sérgio, Mancha como de já tê-lo matado. Tomar reféns é o crime mais hediondo. Ninguém podia naquele ônibus simplesmente bater nas costas dele e dizer: "Olha, meu irmão, isto é problema seu e da polícia. Sinto muito, mas eu vou embora.". E sair. Ele privou as pessoas do único bem valioso: a liberdade. E sob ameaça de morte. Quer dizer, ali todo mundo deixou de ser gente e virou objeto dele, à vontade dele. E aí, pouco importa o passado dele, mas o futuro dos reféns.

E neste ponto é preciso ressaltar: a atuação da polícia de rua sem comando foi exemplar. Ela fez muito bem em não tentar atirar no cara. Parabéns pela atitude deles de não arriscar a vida dos reféns. Qualquer imbecil percebe que ali era uma situação em que você não pode errar o tiro. Ali você tem de atirar pra matar com um só tiro. De preferência, em um ponto em que o sujeito relaxe e não contraia. Isso é tarefa de tropa de elite.

Mas, como sempre, quando bota a palavra elite no meio... Com esse nome no Brasil só funciona a gafieira. Faltou comando. Faltou, sim, subsitutir os policiais de rua no comando da ação. Óbvio, eles já tinham feito a parte deles bem. Tchau. Vai empurrar pra trás a multidão, isolar a área, garantir um corredor de acesso ao local no caos do trânsito. De um certo momento em diante faltou 1) eleger um negociador 2) convocar os atiradores de elite 3) distribui-los.

Não é possível que na Polícia brasileira não exista pelo menos um policial que tenha visto todos os filmes de cinema americano com negociador de reféns no meio. Eu digo, profissionalmente, ali, com a patroa, "De novo, meu bem?". Um só.

Os atiradores de elite. Quantos temos de fato? Um, dez, quinze? Ninguém nem sabe... Enfim, a tarefa é distribui-los com a missão de matar na primeira oportunidade o bandido sem risco para os reféns. A possibilidade do tiro tem de ser comunicada ao comando para a decisão final. E ponto. Naquela altura do campeonato, Sandro, Sérgio, Mancha - trágico personagem do estado de abandono a que nós (e nós sabemos de quem estamos falando...) largamos as crianças até hoje. O cara era um sobrevivente da Candelária. Quando li isso, quase caí pra trás. - mas eu dizia, aquela altura, ele, coitado, já não podia mais ser considerado alguém, mas fera braba. Ele tinha o cano do revólver na cabeça de uma menina. Daí em diante, meu caro, não dá... É unanimidade universal. Covardia.

Motivada pelo desespero de quem sabe o que lhe espera? Certamente, o terror da polícia, ou sejamos mais honestos, o terror à violência institucional já suposta e visível numa simples fila de INSS... Cadeia no Brasil é hospício. O cara entra meio doido e sai maluco de vez. E aí é bicho solto. Sandro, Sérgio, Mancha não tinha sequer uma mãe. Nego fez DNA pra saber de onde ele vinha! É loucura porque é emblemático. Ele era ninguém mesmo. Contra todos. Insisto que matá-lo, no entanto, naquela situação era urgente.

Um bom negociador talvez pudesse desativá-lo. Unidunitê pra escolher uma refém, aquela que depois ele "salvaria" fingindo matar, ritual carregado de símbolos, enfim, tantos outros sinais revelavam uma indisposição de matar. Mas um medo pânico de morrer.

Alguém que lhe garantisse a vida. Um juiz. Um padre. Um secretário. Um coronel. Um delegado da PF. Não apareceu ninguém. Ficou tudo na mão da guarda de rua. Não houve comando.

E era uma missão delicadíssima. Era de um lado a mata, do outro, prédios baixos cercado de árvores. Não havia muitos ângulos de tiro para dispor atiradores. E o alvo não ajudava. Um ônibus estreito, fechado, escuro. Ele deu mole, sim. Em alguns poucos momentos. Onde estavam os atiradores?Ninguém sabe...