9 de outubro de 2000
Olimpíada, ainda...

Há semanas em que são tantos os assuntos acumulados ao longo dos dias que dá vontade de fazer um texto só de notas. Valeria ainda a pena, por exemplo, perder uma crônica inteira para falar da burrice da maior parte das análises sobre o desempenho do Brasil na Olimpíada? Foi o primeira manifestação pública em grande escala da cultura da auto-ajuda, do pseudomisticismo e dos manuais de marketing.

Sobraram números, gráficos e estatísticas. Interpretações psicológicas e explicações sobrenaturais. Faltou informação, conhecimento. Houve exceções brilhantes: Oscar Valporto, em O Globo, por exemplo. Mas prevaleceu a burrice espetaculosa. A burrice monumental e cada vez mais apavorante.

Não falo da ignorância que as vezes coincide com a inocência. Falo dessa burrice arrogante e teimosa, que erra com ares de argumento. É apavorante porque é essa burrice que serve de fundo intelectual para a violência física: o imbecil moderno corre numa esteira lendo um livro de auto-ajuda. Corre sem sair do lugar. Lê sem sair do lugar.

Já foi longe demais essa crença de que basta a qualquer panaca decorar meia dúzia de preceitos vagos e exercitá-los com intensidade obsessiva e à custa da paciência alheia para que o mundo se curve ao seu desejo. Os estragos que essa filosofia produz na vida cotidiana são imensuráveis. Ela vive da reiteração de palavras-de-ordem e idéias pseudocientíficas e acostumou-se a tratar aquele que discorda como alguém incapaz de alcançar a "novidade" das suas idéias.

Guiadas pelo primarismo da idéia de que não é o outro quem ganha, é você quem perde, a maioria dos comentários parecia desconhecer o óbVIo: que o adversário também quer a vitória. E que basta um minuto de descontrole em provas sempre eliminatórias para se perder. Pois, de modo geral, os atletas se equivalem: onde mais se ganha é no erro do outro. E todo mundo erra. Ponto final. O resto é técnica, tradição e preparação.

No final das contas, foram doze medalhas contra quinze. As três ou quatro que faltaram foram as do Guga, do Rodrigo, do vôlei masculino e do futebol. Seriam dezesseis medalhas. Se de ouro, prata ou bronze - isso é coisa do dia, da hora - dos designios insondáveis do corpo.

Pouquíssimos atletas ou equipes estão preparados para dar o show de superação das meninas do vôlei cubano ou dos corredores brasileiros do 4x100. Que concentração tem a Regla Torres, a desafiar com seus olhos impassíveis a loura muralha russa... Inesquecível.

Medo do sucesso tem o sujeito que acha a prata um mau resultado, que diz: "a prata é uma medalha que se perde" - porque não se ganhou o ouro. E a campanha para chegar até ali, na final?

Se quisermos mais medalhas, nós, os brasileiros, a gente comum que perde noites de sono em frente a TV torcendo, teremos de ser mais inteligentes. O cachê da Marília Gabriela para fazer papel de boba em um anúncio da Intelig daria pra formar um atleta.

A CBF gastou R$ 2,7 milhões, supostamente com o futebol. A equipe de atletismo teve uma verba de R$ 29 mil para custear seus dezoito atletas.

O Senado promete ameaça investigar a CBF e o futebol. É de se ver... Da nossa parte, está na hora do cidadão começar a boicotar as empresas que não adotarem uma politica de apoio ao esporte olímpico - em vez de se deixar seduzir por anúncios engraçadinhos. Mas quem se habilita a puxar uma campanha dessas?

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Queria falar também das eleições. Não há espaço. A coisa que mais me espanta é que ninguém quer ser síndico, mas, quando tem eleição, o que aparece de candidato a servidor público! Só voto agora em quem tenha sido pelo menos três vezes síndico do seu prédio. Pode ser um chato, mas é também um santo.