27 de novembro 2000
Grades

Colocaram grades mais altas no meu prédio. As grades antigas batiam na altura do pescoço. As novas devem ter pelo menos uns quatro metros de altura. Ainda restam dois ou três prédios na rua com grades baixas, mas não há um sem grades.

Fico tentando lembrar quando terá sido instalada a primeira grade, a mais baixa.... Há, pelo menos, quinze anos - ou mais. Tempo suficiente para que muita coisa pudesse ter sido feita. No entanto, como as novas grades o demonstram, de lá pra cá, as coisas só pioraram... O sentimento de insegurança aumentou, ou melhor, instalou-se, definitivo: ninguém mais parece crer que a situação seja sequer remediável.

Eu fui contra a substituição das grades. Sabia que era voto vencido, por isso nem argumentei. Mas fui contra. Me irrita a confissão de impotência que elas expressam. Me ofende o isolamento como único recurso contra a miséria que nos cerca.
Quanto mais altas as grades, mais evidente se torna a diferença entre "eles" e "nós" - e cada vez mais obscura a definição de quem são "eles" e quem somos "nós".

Lembro que no portão da casa de uns amigos havia um placa de bronze que dizia: "Cuidado! Nosso cachorro não é seu amigo!". As grades são uma mensagem clara:"nós" não confiamos mais em ninguém: nem na polícia, nem no entregador de pizza. Todos são suspeitos. É a Lei do Cão.

Há um muro de Berlim em cada prédio do Rio.

Quanto tempo durou o Muro de Berlim? Acho que uns 30 anos. Este estado de violência e insegurança já tem pelo menos uns 20. Um adolescente de 15 anos não terá sequer conhecido uma cidade sem grades. Ou sexo sem camisinha. Me ocorreu agora essa estranha relação entre as grades e a camisinha... A impressão que dá é de estarmos sendo expulsos do mundo. O pecado de Adão e Eva ao menos era orginal. O nosso parece ser a mediocridade crescente...

Quando será que as grades começarão a ser retiradas? De quem será a iniciativa? Impossível sequer imaginar: mas certamente ainda teremos de esperar mais dez anos, pelo menos, até que algum síndico anônimo, cercado de repórteres por todos lados, viva seus quinze minutos de glória ao dar a marretada inicial para a derrubada da primeira grade do Rio.

E então, pouco a pouco, a idéia irá se disseminando pela cidade, primeiro entre os vizinhos, depois para outras ruas do bairro, até finalmente alcançar os bairros mais longínquos. Já não haverá crianças abandonadas pelas ruas nem o risco de carros estacionados na calçada. Nem haverá mais grades.

Claro, também pode ocorrer que daqui a quinze anos nós estejamos trocando estas grades por outras mais altas e mais modernas. Aliás, como a decisão de como será o futuro é tomada agora, parece até mais lógico já ir tratando de fazer a caixinha da próxima grade...