11 de dezembro de 2000
Dois contos absurdos e uma declaração de amor

O sujeito vem no elevador.
Subitamente, ele não consegue lembrar-se se o elevador está subindo ou descendo. O elevador é todo fechado: em suas portas não há sequer uma janelinha por onde alguma indicação de sentido pudesse entrar. Há apenas o ruído suave da máquina e um rumor rítmico que parece marcar a passagem dos andares. E só. A luz é fria e espalha-se homogênea pelas paredes de aço da cabine. O elevador anda e parece nunca chegar. Apenas move-se ou ao menos é esta a impressão - ou a expectativa? - do sujeito.

Pois, não sei há quanto tempo estou aqui ou se tudo não passa de algum estranho teste ou um brinquedo de parque de diversões ou se é simplesmente um sonho. Não sei. Apenas o tempo vai passando sem que o elevador chegue a algum lugar ou eu saiba o que faço aqui. Procuro manter-me calmo, pois não encontro razões para pânico: por que haveria eu de saber o que faço aqui? Em dado momento, no entanto, um pensamento mais sombrio me ocorre: se não sei o que faço aqui, num elevador que nunca chega, acaso saberei quem sou? Sei que sou alguém, mas nenhuma imagem se reflete no aço escovado das paredes. Observo minhas mãos. As unhas. É tudo que sei de mim. Tudo mais está coberto por roupas. Então olho o relógio. Olho o relógio e não consigo ler as horas. Estão lá os ponteiros, os números, o pulsar incessante dos segundos - mas não consigo ler as horas. Não consigo ler...

Desvio o olhar e pela primeira vez em - quanto tempo? - uma sensação de claustrofobia me toma o peito e é como se eu estivesse me afogando...

***

Toma tua mão. olha as linhas, as principais, as mais nítidas. olha apenas, sem nenhuma curiosidade, sem nenhuma ânsia descritiva. olha.
em dado momento - depois de alguns minutos, algumas horas ou alguns dias - ela não parecerá mais tua mão - e nem sequer isso, mão, palavra vaga e complacente. parecerá outra coisa: é então que começa a aventura.

Já não haverá a rede de segurança das palavras, do tempo (foram minutos, horas ou dias?), das distinções (eu, mão). será só o olho que vê - e se é sonho ou vigília, não importa.

Então, toma de um estilete e começa a meticulosamente alterar as linhas da mão, a desviá-las e entrecruzá-las, orientado apenas pelo compromisso da concisão e da minúcia. quase não haverá dor e a provável sensação de desconforto será a mesma de quem faz uma tatuagem.

Depois de secos os cortes, vai ao Largo do Machado, acha uma cigana e manda que ela leia com detalhes as linhas desenhadas. Presta atenção, grava, anota: eis aí teu personagem.

***

O tempo não roubará de mim a intensidade deste instante:
Sou Ulisses, Tristão, Romeu

Enfim, as simples palavras
(que antes só ousaramos sussurrar no escuro dos olhos atravessados pelo gozo)
ganham finalmente a luz

(e se deixam dizer como resumo de todo um jogo de lapsos, equívocos e encontros a que chamaremos história, nossa história - tão
ínfima e única, tão preciosa...)