3 de dezembro de 2001
Os crepúsculos

Deveríamos estar sempre acordados às seis horas da manhã. Insones ou despertos, boêmios ou atletas, bêbados ou beatos - a verdade é que todos deveriam estar de pé às seis da manhã para ver o dia nascer.

Desde hoje de manhã, o mundo para mim se divide entre aqueles que estão de pé às seis da manhã e aqueles que não estão. E tenho pena desses que pegarão o dia já andando, o dia já de céu quase igual até o poente. Aliás, o poente será a consolação dos que dormiam às seis da manhã de hoje e não souberam se embriagar de suas cores. Ficam todos intimados a, lá pelas sete horas, largarem o que estiverem fazendo e se dirigirem a um ponto mais alto onde possam ao menos vislumbrar as cores do crepúsculo. E superiores serão os homens que reverentes tiverem visto os dois.

Desde hoje de manhã fundei uma ética dos crepúsculos. De onde já começo a inferir uma psicologia. Há, segundo essa psicologia crepuscular, caracteres vespertinos e matutinos. Há ainda os bicrepusculares. Como também os nebulosos, sempre ausentes dos crepúsculos, e os instáveis, que ao acaso assistem a um ou a outro. Fazendo como Freud e testando em mim mesmo minha psicologia, diria que já fui muito nebuloso e hoje, apesar de me desejar matutino, ainda sou bastante instável.

Por isso, leio as colunas de meteorologia como se fossem horóscopos.
Confesso, sem modéstia, que minha meta é a bicrepuscolaridade! Estar atento regularmente aos dois crepúsculos sentado de frente para o mar. Eis o signo máximo da boa vida!

Mas concordo que essa radicalidade só é dada aos eleitos. Ao homem comum, esse que tem o dia em alta conta e à noite pensa em dormir, instável e mesmo sujeito a chuvas no fim do período, a ele eu recomendo que inicialmente se queira apenas mais vespertino.  O poente é um crepúsculo que não nos compromete. Até mesmo já assimilamos a palavra crepúsculo ao poente e nos surpreende admitir um crepúsculo matutino, um crepúsculo que não é decadência, mas novidade. Assim, no entanto, consigna o dicionário, instrumento que só devemos usar quando nos favorece, como é aqui o caso.

Mas eu dizia que, se queremos deixar de ser nebulosos ou tão instáveis, devemos começar sendo ao menos mais vespertinos. É bom ter a mão um andar mais alto ou ao menos uma janela que dê para o poente. Isto feito, tudo mais é silêncio.

Mas se você não é instável exatamente, nem muito menos nebuloso, mas pertence a esta categoria nova que me ocorre agora, os noturnos - se você é um noturno então é melhor tornar-se logo um matutino e encerrar sua noite saudando o dia, discretamente discrepante, tomando uma água de côco ou a saideira.
Loucuras memoráveis pedem o testemunho do sol.

Eu próprio, caro companheiro noturno, encontro em você um igual. Amo a manhã, mas a madrugada me atrai irremediavelmente com o silêncio, a solidão e o sonho. Não sou um boêmio, mas gosto de trabalhar de madrugada. Tenho um nebuloso desdém pela azáfama que transcorre entre os crepúsculos. Creio firmemente que, se houver sentido, só o encontraremos no sonho e na ilusão. Eis aí o esboço de uma estética crepuscular. Haverá aqueles que daí já pretenderão construir uma metafísica. Tarefa de vespertinos, certamente.

Mas como se vê, o Crepusculismo cresce a olhos vistos!  É, vê-se, um sistema para os olhos! Bastante confortável, por sinal.  Vislumbro, enquanto o céu crepusculeja sua hora, um futuro fugaz para o sistema...

Demasiado simples na formulação e exigente demais na regra, o Crepusculismo nem merece mais maiúscula. Nada, no entanto, pode, neste mundo ou em qualquer outro, impedir o leitor de adotá-lo. A menos que seja inescrupuloso.