13 de agosto de 2001
O Brasil

O que é o Brasil? Um time de futebol? Um verbete no Almanaque Abril? Ou "O que é o Brasil?" é só uma pergunta - mais uma das muitas que me invento - genuinamente altas e nobres e lúcidas - para me iludir? Brasil com z ou com s - o que seria mais favorável, segundo a grafologia e a numerologia?

Dá vontade de pegar um fotógrafo e um câmera e sair por aí perguntando aos brasileiros, natos ou adotivos, "O que é o Brasil?". Feita assim, de cara, a pergunta soa um tanto fora do comum, pois não estamos acostumados a ver uma entidade aparentemente abstrata como um país tratada como coisa real.

A mim, se me perguntassem "O que é o Brasil?" no balcão do botequim ali da esquina onde agora há pouco eu tomava um cafezinho, eu, que já tenho uma resposta pronta para a ocasião, eu surpreenderia a mim mesmo e responderia quase inconscientemente: "O Brasil é um sonho". E faria-se entre mim e meu interlocutor um silêncio cheio de surpresa e um travo de angústia - porque, se é um sonho, tudo poderia desvanecer-se de repente, no meio de um cafezinho na rua do Catete, em plena sexta-feira de manhã.

Mas o que quero dizer, ao afirmar tão categórico, e inesperado até para mim, que o Brasil é um sonho? Bom, além de ressaltar toda a merecida mitologia que já se construiu a respeito da nossa alegria, hospitalidade e poder de improviso, o que eu quero mesmo mostrar é o caráter involuntário que marca nossa história desde o descobrimento. Somos um sonho: emocionante, surpreendente e involuntário.

Mas foi assim e talvez exatamente por isso que nos tornamos algo de grandioso e único, pois o Brasil é - e isto deveria ser escrito em letras garrafais - a maior unidade linguística já produzida pelo homem. Em outras palavras: nunca antes na história conhecida da humanidade, um povo ocupou uma extensão tão vasta de terra usando apenas uma única língua. Nunca. Somos a primeira nação do mundo a se fundar quase que exclusivamente em sua língua. Isto é um feito fantástico. E nós o alcançamos sozinhos: sem lei, sem plano, sem intenção. O Brasil é obra de Deus ou do Acaso, como cada um preferir chamar - eu não distingo.

Os Estados Unidos são aquela Constituição. Os países da Europa e do Oriente Médio são a terra - por isso é para nós quase incompreensível a luta de judeus e palestinos: eles lutam pela terra, porque a terra é sagrada para eles: é a posse dela, daquela terra, que define a identidade deles. Nós, que somos puro verbo, poderíamos até dizer, ingenuamente: "A gente dá metade do Piauí para eles", mas não adianta, eles não querem outra terra.

Enfim, não existe, nem nunca existiu uma tamanha extensão territorial falando a mesma língua. Este é, portanto, o nosso maior patrimônio. Aliás, o único de fato nosso, exclusivamente nosso, que ninguém pode levar ou tomar de repente. É isto que acabamos por nos tornar, sem que nem soubéssemos exatamente onde íamos. E é lindo e extraordinário e comovente.

Porque quando digo que nos criamos sozinhos, involuntários da pátria, quero dizer que chegamos a isso, a essa magnificência, a despeito dessa coisa vaga - mas muito precisa em sua perversidade - que chamam de elite. Nós, a crioulada, os meninos de rua da história - nós pretos, índios, degredados - nós, em nossa inconsciência, em nossa genuína loucura, que é uma das formas da alegria quando motivo não há para a alegria, por nós criou-se livre como algo vivo uma nação que é uma língua a juntar uma gente muito díspare e a fazê-los se pensarem um só povo.

Porque agora, quando parece que de novo estamos sós, mais uma vez traídos em nossas esperanças de salvação, enganados pelas mesmas promessas de espelhos e miçangas, agora, quando até a bola já não obedece a nossos pés, agora, em que solidão e ruído se misturam com na vaia unânime de um estádio lotado - enfim, agora, quando em face do desastre iminente não sabemos o que salvar, lembremos disso como ponto de partida e de chegada, como âmago daquilo que finalmente somos depois de 500 anos vagando livres à deriva: "Minha pátria é minha língua" - Caetano canta. Ou melhor, brada a frase-síntese, verso-manifesto - lema, a ser inscrito nas cédulas, selos, banheiros e out-doors.

"O que é o Brasil?" - "Minha pátria é minha língua", eis a resposta. Agora só falta desenhar a bandeira.