1 de janeiro de 2002
O homem do ano

Que Rudolph Giuliani que nada! O Homem do Ano desta coluna é o ladrão que devolveu o carneirinho roubado de um presépio na Barra. Tudo bem, o Giuliani foi um bravo, não há dúvida. Mas, a rigor, não há nada de inesperado nisso: ele fez o que o povo de Nova Iorque esperava que ele fizesse. E nisso está o seu valor como homem público: ele estava lá, onde todos esperavam e fez o que todos esperavam que ele fizesse. Claro, só por isso, ele já seria um exemplo para todos os homens públicos do mundo, tão frouxos, tão fracos, títeres de discursinhos armados por marqueteiros movidos a pesquisas e métodos de manipulação de dados.

Nova Iorque tinha até 11 de setembro uma relação de amor e ódio com ele. Ele era uma espécie de Wyatt Earp moderno - os fãs de histórias de cowboy vão entender a imagem. Pra quem não é fã, explico que Wyatt Earp foi um "domador de cidades" do Velho Oeste. Trabalhinho barra-pesada...

A "polícia do Giuliani" foi acusada de violenta e intolerante - daí o ódio - mas Giuliani recuperou e devolveu o espaço público ao nova-iorquino - daí o amor. Com Giuliani a cidade tinha lei. Chegou-se a cogitá-lo para a Presidência, mas um câncer e um escândalo conjugal arruiaram suas chances. Qual teria sido a reação dele presidente ao ver sua Nova Iorque devastada?

Enfim, Giuliani até mereceria o título de Homem do Ano, não há dúvida. Um exemplo para todos os homens públicos, repito. Menos no Brasil. No Brasil, ainda estamos no estágio anterior, onde o exemplo de um homem público que se comporta como um homem público não causa muito efeito, salvo por alguma indicação de figurino que não há de escapar aos olhos experientes de algum assessor de marqueteiro.

No atual estágio da administração da República o exemplo anônimo do gatuno que devolveu o carneirinho do Presépio nos representa e comove muito mais. Claro! Imagine você se, na impossibilidade de imitar o Giuliani, nossos homens públicos - não cito nomes porque são todos notórios - resolvessem imitar o gatuno e devolvessem anonimamente parte do que roubaram?

Imagine a cena na TV, tipo Fim de Ano na Globo, Criança Esperança, ou algo assim, os artistas se revezando no palco enquanto uma conta especialmente aberta na Suíça vai sendo monitorada dólar por dólar, os números rodando na tela com a velocidade de um taxímetro afegão, e entre a Xuxa e a Sandy entra o Jáder e o ACM, os dois de branco, fazendo às pazes em público - e os números correndo agora numa velocidade vertiginosa, milhões e milhões por segundo.

Os homens públicos e os artistas se sucedendo no palco e, à passagem de cada um - mas de um modo que não transparecesse a menor relação entre a velocidade dos números e a presença deles - a conta crescendo, crescendo enquanto o país iria se reconciliando com seus homens públicos mais notórios, agora elevados ao Olimpo da pureza, ao som de Zezé de Camargo e Luciano, Carlinhos Brown, Glória Trevis grávida e o Rei Roberto Carlos.

Ia ser o máximo! Dinheiro vindo aos borbotões de paraísos fiscais de todas as partes do mundo caindo direto numa conta do Banco do Brasil em Zurique e os números transmitidos ao vivo via satélite pelo Bial e Glória Maria... Não!! Pelo Sílvio Santos! É, esse seria um espetáculo para o Sílvio. O arraso que foi o domingo de encerramento da Casa dos Artistas o habilita a comandar o espetáculo!

Qual seria o nome da campanha? Show do Bilhão! Quanto seria arrecadado? Eu chuto, brincando, uns três bilhões de dólares. Acha muito? Bastaria que os cem maiores homens públicos brasileiros depositassem, cada um, apenas 30 milhões de dólares! Uma mixaria! Só o Maluf é acusado de ter UMA conta com 200 milhões de dólares - por aí já se vê que se der três bilhões vai ser bazar de caridade...

Não, três bilhões não é nada... Se os homens públicos mais notórios - e os nem tão notórios assim - doarem com a mesma imodéstia com que roubam, não será surpresa se alcançarmos a cifra dos 30 bilhões de dólares. Arrecadados em um único domingo!

É por nos abrir a essas possibilidades tremendas e na esperança que seu exemplo toque o coração dos nossos homens públicos é que, mais uma vez, aponto o nosso ladrão anônimo como o Homem do Ano. Ou pelo menos, o Carioca do Ano. Pronto, resolvido! Ele é o Carioca do Ano. Assim o Giuliani fica como o nosso Nova-Iorquino do Ano - e ninguém nos poderá acusar de injustiça.