5 de agosto de 2002
Devagar com o Kaldor

Li todos (repito, todos!) os programas de governo dos candidatos a "Deus é brasileiro" e fiquei muito impressionado: todos - eu disse todos! - são socialistas! Politicamente, somos uma Finlândia ou uma Rússia às vésperas da Revolução de 17. Não há um só conservador, nem mesmo um modesto e humilde liberal. Todos são socialistas. Como são banqueiros e industriais que pagam as campanhas dos candidatos a "Deus é brasileiro" sou levado a concluir que já se operou no país a mais extensa e milagrosa conversão da história universal: até a direita no Brazil é de esquerda!

E são socialistas radicais. Eu quase vomito quando leio, por exemplo, que eles assim que chegarem ao poder irão taxar o luxo e a extravagância com uma espécie de imposto especial contra os bem-sucedidos. É o tal do imposto Kaldor, uma irritante obrigação de retorno compulsório à medianidade, à mediocridade. O imposto Kaldor não é estúpido apenas porque não deu certo na Índia ou em Bangladesh, sei lá, tanto faz - até porque, não dar certo lá, como aqui, não depõe contra ninguém... O imposto Kaldor é estúpido porque é de extremo mau gosto.
Ora, devagar com o Kaldor que todo santo é de barro...

Quando eu ouço qualquer desses sujeitos - seja padre, político, burocrata ou acadêmico - dizer que vai acabar com todo o Mal eu imediatamente penso: "Eis aí um legítimo fdp."  Aliás, deveriam fundar o PFDP.

Houvesse um mínimo de coerência e coragem neste país para fundá-lo e rapidamente o PFDP se tornaria o maior partido do Brazil. Primeiro, porque ele já existe, apenas atua na clandestinidade. Segundo, porque, mesmo na clandestinidade, já possui aquilo que a os carecas do intelecto gostam de chamar de "capilaridade", isto é, tem fdp em tudo quanto é canto. O efedepetismo é uma espécie de maçonaria que, se ganhasse a forma de um partido, certamente chegaria ao poder com facilidade. Ou melhor, no poder ele já está. O que ficaria claro é a impossibilidade de tirá-los de lá.

Porque o efedepetismo no Brazil é histórico. Mais do que isso, é quase uma religião. Vira e mexe, quando menos se espera, somos surpreendidos pela conversão de algum ilibado figurão ao efedepetismo. Mesmo que o público não seja explicitamente comunicado - não podemos esquecer que o efedepetismo permanece ainda na clandestinidade - como, por exemplo, explicar o episódio da mudança de Constituição apenas para aprovar a reeleição de FHC senão a uma iluminação súbita e simultânea do presidente e congressistas?

Tamanha a força dessa iluminação, aliás, que talvez hoje ele seja o secreto grão-mestre dos fdp no Brazil. A ponto de ter, na verdade, não um, mas dois candidatos a sucessão: Serra, claro. E Ciro - que é o Serra do Tasso, que é brother de FHC. E como Serra não decola... (Na minha opinião, deveriam contratar o Anthony Hopkins para o papel do Serra na campanha - aliás, acho mesmo que o Nizan já o contratou: estão aí as fotos que não me deixam mentir...)

E mais: basta ler os programas de governo para se perceber que ainda há muito espaço para o crescimento do efedepetismo no Brazil. Porque há, pelo visto, todo tipo de fdp em atividade no país: os conscientes, os inconscientes, os explícitos, os ingênuos, os espertos, os estúpidos. Mas todos têm um traço comum: prometem eliminar o Mal e instituir uma sociedade homogênea e igual (esqueceram que são todos socialistas?), só de gente certinha...

Mente quem diz que pode eliminar o Mal. Porque o Mal não existe. Ou aliás, o Mal só há se acreditarmos nele. E tem gente que precisa acreditar no Mal. Porque o Mal é o pretexto do Poder. É sob o pretexto de combater o Mal que instituímos o Poder. É o Poder, portanto, que perpetua o Mal.

O Mal depende da nossa fé para contaminar a ação dos homens mais fracos e suscetíveis - seja por ignorância, fome ou vaidade. A maldade é e deve ser vista como o sinal de que aquilo que é o Bem começa a se deteriorar segundo a lei natural da vida: movimento, morte e nascimento. A maldade, enfim, é aviso, pedido de ajuda radical: ele será tanto maior quanto mais tempo levarmos para atendê-lo, pois só nossa generosidade, vale dizer, nossa atenção - pode curá-lo.

Tudo mais que se diga é coisa de fdp...