9 de setembro de 2002
Lula já

Estou encantado com o Lula. Ou melhor, estou encantado com a possibilidade de votar pela primeira vez em Lula para presidente . "Lula já" é meu lema desde o debate da Record, aquele mediado pelo Boris Casoy. Não que eu tenha descoberto de repente que o Lula é disparado o melhor candidato. Não - ao contrário até. Temos candidatos muito bons. Ressalto que não me refiro agora a Garotinho, mas apenas aos candidatos que têm, de fato, chance de vitória.

Lula, Ciro e Serra possuem virtudes e defeitos evidentes, mas são homens dignos e preparados para ocupar a Presidência. Podemos discordar da filosofia, do temperamento, das alianças de cada um deles, mas de nenhum se pode dizer que seja ladrão ou corrupto. Já é muita coisa para eleitores céticos ou descrentes da política. Ninguém poderá dizer do brasileiro que se decidir por qualquer um deles que ele não soube votar ou que não tem consciência política. A própria existência desses candidatos, aliás, já é um sinal de que o eleitorado também mudou para melhor. Nem na Finlândia, você encontra uma eleição para presidente só com candidatos socialistas.

Mudamos, enfim. E esse talvez seja o segredo da empatia que Lula provoca não só em mim, mas na maioria dos brasileiros: Lula também mudou junto com a gente. É essa sensação de intimidade à distância, de acordo tácito entre vizinhos que pouco se sabem mas em quem reconhecemos uma cumplicidade de gestos e falas, que talvez explique minha decisão de votar nele. Lula é um personagem comovente. Sua trajetória - dos sertões de Pernambuco ao topo da política nacional - não é exatamente incomum, com às vezes se pretende. Incomum é o compromisso obstinado que sempre manteve com a sua origem. Isso é coerência.

Lula nunca deixou de ser popular para tornar-se um populista, seguindo o "caminho natural" da maioria dos políticos. Não há eleitor que não tenha a amarga experiência de ter votado em um candidato a vereador ou deputado do seu bairro cuja primeira medida depois de eleito foi se mudar e nunca mais aparecer.

Lula nunca teve vergonha de ser quem é. Ou se teve, o laço sentimental, a empatia com os seus semelhantes foi mais forte que a tentação do esquecimento oportunista. Lula mudou, se construiu - como o próprio Brasil e junto com ele. Junto com cada um de nós, Lula foi se transformando nesse senhor jovial de barba grisalha que está ali, no vídeo, mas podia estar no elevador, atrás de um balcão ou ao nosso lado no ônibus. Lula inventou a si mesmo um Lula que nem o Lula conhecia.

Dito assim, pode parecer que Lula é meu candidato a santo. Não é. Mas vê-lo pela quarta vez disputar com o entusiasmo de sempre, agora temperado por uma calma que só o tempo traz, é algo que me enche de esperança. Às vezes ouço gente perguntar num tom carregado de ironia: "Mas, afinal, o que o Lula fez estes anos todos?", com a óbvia intenção de dizer que ele não trabalhou, não fez nada. Eu fiz textos, outros fizeram pães, carros, relógios. Lula fez história. Construiu em torno de si o maior partido socialista independente do Ocidente. Digo independente não apenas nos termos de uma guerra fria que já acabou, mas sobretudo independente no sentido de não-exclusivamente marxista.

Aliás, vou dizer uma coisa que não chega a ser novidade, mas que eu só me dei conta outro dia: nada atrasou mais o avanço do socialismo no mundo do que o marxismo. Não fosse o marxismo ter se apropriado e quase monopolizado a bandeira socialista e talvez já estívessemos mundialmente vivendo em condições mais cooperativas e menos estúpidas. Mas isso é outro papo, longuíssimo por sinal, que bem merecia outra crônica ou artigo.

Enfim, quando Lula diz que andou por este país inteiro ouvindo o povo, eu acredito. Acredito sobretudo nesse ouvir, cuja lembrança dá à voz de Lula, geralmente áspera e grave, um tom mais baixo e comovido. Lula ouviu. Lula é um brasileiro e conhece seu povo. Um conhecimento muito mais intuitivo que formal, feito de noites mal dormidas, de comida requentada engolida às pressas, de ameaça de desemprego e horas passadas em ônibus apinhados de gente. Lula é um brasileiro e não esqueceu dos seus. Mais do que ninguém, merece ser presidente. E o quanto antes. Lula já, portanto.