16 de dezembro de 2002
Tirando onda

Bush quer vir surfar no Brasil! Ao menos foi o que ele disse quando Lula o convidou para visitar o Pantanal. Falou de nossas "praias maravilhosas", dizem os jornais. Eu, ao ler, lembrei logo da cena de Apocalipse Now!, os helicópteros atacando uma vila de pescadores ao som das Valquírias, de Wagner, apenas porque o comandante do esquadrão queria pegar umas ondas naquela praia.

Aliás, foi também ao som imaginário das Valquírias que li, em seguida, que o futuro ministro Antonio Palocci esteve envolvido em duas encrencas lá em Ribeirão Preto. Houve investigações, nada foi provado contra ele, mas que as revelações só tenham sido feitas no dia seguinte à sua indicação para a Fazenda me soou estranhíssimo.

É certo que as tais "revelações" foram feitas em tom quase casual, lá pelo meio da matéria. E nem são, de fato, revelações. Para mim, o caso da privatização da empresa telefônica municipal de Ribeirão, no primeiro mandato de Palocci como prefeito da cidade, é até novidade.

Mas a tal licitação, no começo do ano, para a compra pela prefeitura de Ribeirão de R$ 1,25 milhão em cestas básicas que, entre outras cláusulas, exigia "molho de tomate peneirado com ervilhas", produto fabricado por uma única empresa, já fora denunciado por Elio Gaspari, meses atrás. A licitação acabou cancelada e "esquecida", guardada na geladeira moral do país sob o rótulo de "o escândalo das ervilhas".

O que me chamou a atenção também foi ver os dois fatos associados à imagem de "moderado" de Palocci. Passaram-se dois meses em que todo dia se falava no homem, e nem uma palavra sobre o assunto. Bastou ele ser confirmado no cargo e no dia seguinte já tinha alguém mexendo na geladeira...

É como se estivessem querendo mostrar que "o Palocci é um dos nossos". Ou, pior: como se o alertassem que ele terá de caprichar na moderação, porque, afinal, ele também tem lá suas fraquezas...

Claro, se a imprensa tivesse batido nessa tecla antes, poderia ter acabado por impedir a nomeação de Palocci. O leitor há de lembrar o caso do presidente do PTB, José Maritinez, vice de Ciro Gomes, mas que teve de ser afastado às pressas da campanha porque descobriu-se (ou melhor: redescobriu-se) que ele pegara um dinheiro emprestado de PC Farias.

Some-se ao "caso Palocci" o acender e apagar periódico do assassinato do prefeito Celso Daniel e fica a impressão que o telhado de vidro petista acabou de ser instalado e tem tudo para ser um sucesso.

Enquanto isso, no Rio, não pára de chover. Quem é pobre e mora em favela despede-se de manhã da família sem, no íntimo, saber se, à noite, os encontrará vivos. Sai com o coração apertado, rezando para que Deus não ponha à prova sua fé. Sai, os olhos grudados no céu, os pés encharcados de lama. Mais um dia. Até quando?