17 de junho de 2002
Manuelmente bandeiroso

Preciso com urgência de uma namorada em Santa Teresa.
Porque estamos condenados ao amor e o amor só é possível em Santa Teresa.

Sim, percorri a cidade inteira, e só nas ruas desertas de Santa Teresa encontrei o silêncio habitado pela promessa do jasmim.
Sim, o silêncio, a solidão, as sombras não são ameaças nas noites de Santa Teresa. De lá, a cidade é só uma delicada trama de luzes que dialoga com o céu num morse silencioso.

E há o próprio céu que em Santa semelha ser de seda tão próximos estamos dele. Por isso é urgente arranjar uma namorada que more lá e seja íntima dessas noites onde só o amor acontece e tudo mais é um lento persistir que nos acolhe e acalma.

Sim, percorri a cidade inteira, estive em todos os guetos, luminosos ou escusos, vi mulheres lindas, mulheres lindíssimas -mas nenhuma morava em Santa Teresa. Nenhuma tinha com a noite essa intimidade amorosa que só quem mora em Santa Teresa pode aprender.

Eu mesmo já morei - e namorei - em Santa Teresa.
Tanto tempo faz e, agora que lembro, parece que foi ainda hoje.
Porque Santa Teresa se escreve em letras esculpidas a fundo na alma da gente.

Santa Teresa é para sempre - por isso o amor só é possível lá.
Por isso, para mim, é urgente, é inadiável, ter uma namorada em Santa Teresa e passear com ela de mãos dadas no silêncio perfumado dessas ruas vazias. É, aliás, imprescindível, prioritário, percebo agora, uma namorada em Santa.

Pois é com certo horror que me dou conta que quase esquecera que eu também já morei um diaem Santa Teresa. Meu Deus, eu mesmo já reinei anônimo nessas ruas, eu mesmo já errei por elas sem perder-me...

Como pude quase esquecer-me desse que, no fundo (no fundo, não - no alto) ainda sou, se Santa Teresa, eu sei, é para sempre? Não, não era isso - não era um personagem e sua geografia íntima o que a memória ingrata ameaçava esquecer no fundo de alguma gaveta sua...

Não - era algo de mais trágico, certamente. Era a dimensão do amor que se perdia pelas ruas da cidade baixa - com suas promessas rasas, seus objetivos concretos, seu horizonte plano e cheio de arestas. Era o amor que vinha se convertendo em simples desejo - de possuir, de consumir - de jamais conhecer.

Era o amor que se perdia, condenado a operar as vis compensações que se oferecem em troca da diária submissão de tudo que em mim pode haver de nobre e digno à lógica reles da Máquina de separar a alma do corpo: trabalho, insatisfação e consumo. Trabalho, insatisfação e consumo. Trabalho, insatisfação e consumo.

Não, chega....
Preciso de uma namorada em Santa Teresa.
E tudo mais se conformará à sua natural desimportância.
Porque não há carro, tv, filme, cd, roupa, nome, mulher, dinheiro que substitua com vantagem uma namorada em Santa Teresa.
Ao contrário, quem tem uma namorada em Santa Teresa não precisa de mais nada.

É isso, enfim: quero uma namorada em Santa Teresa porque só lá o amor é possível.

E, repito, estamos condenados ao amor e é o amor que eles nos roubam para convertê-lo no desejo insatisfeito que sustenta o consumo. É triste - e simples assim: vendemos o amor e em troca compramos coisas que definem qual o nosso lugar neste mundo - neste mundo onde as árvores crescem acanhadas e sem viço e os passarinhos cantam fora de hora.

E, por favor, leitor - não me confunda com algum romântico, anacrônico ou moderno. Sou realista e pragmático: não haverá Pasárgadas futuras ou além - há o amor em Santa Teresa - e tudo mais são ilusões compensatórias.