22 de julho de 2002
Rebeldia fashion

Eu, um quarentão duro e mal vestido, solto no meio da Semana de Moda que começa hoje no Rio. Tentei vender essa pauta a semana passada inteira, mas ninguém topou. Acharam que eu destoaria demais do ambiente. Mas a idéia era mesmo essa: um rebelde solto em um lugar onde o barato de todo mundo é ser modelo. Tem modelo até de rebeldia - cujo símbolo máximo é o objeto mais estúpido criado pelo homem desde Adão e Eva: a roupa que já vem rasgada de fábrica.

Roupa rasgada de fábrica...! A coisa começou há uns vinte e cinco anos, quando inventaram a calça que já vinha desbotada de fábrica. Veja o leitor o quanto evoluímos em tão pouco tempo. Tornou-se até difícil convencer o pessoal mais jovem que rebeldia nada tem a ver com estupidez. Ao contrário, a gente pode até dizer que rebeldia é exatamente o oposto da burrice. Repare bem, por exemplo, que não há tirania que não seja também um atentado à inteligência.

Digo isso porque entendo racionalidade como cooperação. Toda tirania é irracional porque é egoísta, hierarquizada e competitiva. Olhando sob esse ponto de vista, não é surpresa perceber que vivemos numa sociedade cada vez mais tirânica - burra, egoísta, hierarquizada e competitiva. Portanto, cheia de modelos.

A rebeldia é racional - no sentido de cooperativa, compassiva e singularizante.
Saiu, pela editora Sextante, um livro genial do Bertrand Russell chamado O Elogio do Ócio. Já dei uma folheada e passei os olhos por uma crítica ao comunismo e ao fascismo que guarda alguma relação com essa idéia, com esse modo de ver racionalidade e irracionalidade...

Insisto porque acho essa associação entre razão e cooperação, desrazão e competição, fundamental para a gente perceber a quem interessa o culto que fazemos da irracionalidade como forma da rebeldia.

Aliás, taí - Bertrand Russell é um belo "modelo de rebeldia"... Quem gostar de filosofia, procure nos sebos a História da Filosofia Ocidental do Russell. É demais! Ele trata os filósofos com a intimidade e o distanciamento de quem os conhece bem - e num tom que só um inglês seria capaz. É de rolar de rir o modo como ele trata Kant, Hegel e toda a filosofia alemã. Não que alguém escape ileso, mas os alemães são os que certamente mais sofrem na mão dele.

Há em Russel um humor cruelmente realista que é uma espécie de corolário, de consequência ou expressão de um modo de fazer filosofia que é bem inglês: cético, lógico, realista. Alguma coisa entre Descartes e Hume. Eu gosto muito - e recomendo como antídoto a certos modismos intelectuais que não são nem filosofia, nem literatura.

Aonde estou querendo chegar é que essa rebeldia do tipo "chutar o pau da barraca" é mera falta de educação... Só serve mesmo pra vender calça rasgada e música barulhenta.

Era com esse humor que eu esperava ser solto na Semana de Moda... E antes que algum leitor assíduo e maldoso diga que tudo que eu queria, na verdade, era ver a Gisele Bünchen de perto, respondo que aquilo lá bem pode ser tomado por um jardim conceitual, se a gente a gente olhar como ares de filósofo: Beleza. Juventude. Desejo. Arte.

E como uma espécie de pano de fundo para todas essas palavras, uma outra, escrita em letras garrafais: MODELO. Argh! Cresci achando que modelo era sinônimo de burrice. Não vou mudar agora.