26 de maio de 2003
Cenas de rua

"Lenço de cinco pontas", era assim que meu pai chamava. O sujeito vem pela rua e de repente estanca. Olha ao redor, para certificar-se da posição dos passantes e, ato contínuo, aperta um das narinas com o polegar, abre os outros dedos em leque, inclina ligeiramente a cabeça, toma fôlego e espira fortemente com a narina livre. Depois, sacode a mão e retoma sua caminhada, mais leve e desobstruído.

A ação classifica-se sob a singela rubrica "assoar o nariz", que compreende diversas modalidades e variações. Esta eu pensava banida do repertório nasal. Mas, como se vê, ainda mantém adeptos, fervorosos amantes da tradição.

Se estivesse na China, aterrorizada pelo espectro da superpneumonia, o cidadão, se escapasse do linchamento, seria preso e enviado para um reformatório.

Soube por Heródoto que o ato de cuspir em público era proibido entre os persas, o que aparentemente muito espantava aos gregos. Cuspe à distância nunca chegou a ser uma modalidade olímpica, mas os gregos eram mais liberais do que os persas quanto a certos usos e costumes. Talvez não se chocassem com o "lenço de cinco pontas". "Sou um grego!", poderia bradar o involuntário personagem desta crônica.

Mas há outros. Logo adiante, cruzo com oito meninas de cabelos muito curtos, vestidas em longos camisolões marrons de pano grosso e sandálias. São carmelitas, do convento localizado em uma ladeira rente aos Arcos, que sobe da Lapa para Santa Teresa. Elas desceram de seu claustro para cuidar dos mendigos que fazem ponto no bairro. Sua generosidade constrasta com a exuberante indiferença do atleta nasal. Este, vive para si e seu nariz. Elas abriram mão de tudo, num incompreensível voto de pobreza.

A cena é insólita: o mendigo silencioso e imóvel, emperdiga-se no banco em frente à Sala Cecília Meirelles enquanto duas ou três carmelitas sorridentes o cercam, cortando-lhe os cabelos, aparando-lhe as unhas. O mendigo está tomado de um senso de nobreza que só os mendigos, os loucos e os verdadeiramente nobres são capazes. Não se sente alvo de caridade, mas de reconhecimento e usufrui dele com elegância incomum.

As carmelitas estão felizes, imunes ao mau cheiro, aos piolhos, ao medo. Certamente, jamais lerão esta crônica, alheias ao mundo no que ele tem de menor.