18 de agosto de 2003
Ma' que dia infeliz

Eu detesto o Mac Donald's. Detesto o cheiro, a iluminação, o ambiente, o sorriso adestrado dos funcionários. Detesto a comida: o pão é fofo demais e sem gosto, a carne não parece carne, o milk-shake é sem capricho, a coca-cola não tem gás, o suco de laranja tem gosto de concentrado. Salvam-se as tortinhas. O resto me enjoa, enoja...

Enfim, Big Mac, para mim, é indicador econômico. Explico: há anos, a revista The Economist aproveitou-se da uniformidade da fórmula do onipresente hambúrguer duplo para elevar seu preço à condição de padrão monetário que indicaria o valor "real" das moedas nacionais em relação ao dólar e, por conseqüência, entre si. Começou como brincadeira, mas hoje a coisa tem já um molho de seriedade. Quem quiser conferir, é só dar um pulo no site da revista (www.economist.com). Para um mundo que já teve o ouro como padrão, pensar um sanduíche no seu lugar soa como um símbolo perfeito de nossa decadente infantilização.

Não que o leitor não possa me ver um dia atracado com um sanduíches daqueles, ketchup e mostarda me escorrendo pelos cantos da boca entupida. Às vezes ocorre. Raro, mas ocorre. Logo, esse "detesto" veemente que abre a crônica só deixou de ser retórico no último sábado a partir das nove manhã quando um espectro da Xuxa começou a anunciar aos brados e sob um fundo de música funk infantil que aquele não seria um sábado comum, único dia da semana que eu tenho folga e posso dormir até tarde, mas um Mac Dia Feliz!

OK, Ronald, você pode, a lei te garante, vender a qualquer idiota a idéia de que ao comer um desses seus sanduíches de merda ele estará fazendo um bem a uma criança com câncer. Seu departamento de marketing inventou a obesidade politicamente correta: quanto mais você come, mais criancinhas cancerosas serão felizes.

Você já viu uma criança com câncer, Ronald? Será que algum dos seus balofos consumidores de música e comida mecânicas já visitaram a ala infantil do Hospital do Câncer, ali na Praça Cruz Vermelha, na Lapa?

Eu já. Quase por acaso. Só uma vez. Minto, duas. Da primeira vez, me afeiçoei por uma menina linda, de uns seis ou sete anos. Consegui fazê-la parar de chorar inventando uma história qualquer e, sabe como é, nessa de conversar, a gente se afeiçoa, fica sabendo da vida do outro e tal... Da segundo vez, quando voltei para revê-la, ela...

Não conto o fim da história, Ronald, para não estragar sua digestão e a sua boa consciência. Só te digo uma coisa: é um lugar duro de se ir. Tem que ter peito, coração, estômago. Eu não tive.

Tudo bem, a sua intenção é boa, Ronald - "Dá um bom retorno de imagem", diria um dos gênios balofos do seu departamento de marketing que depois irão lotar o inferno barroco dos bem intencionados.

Mas será que você podia ao menos baixar esse som, essa música medonha, a gritaria dessa Xuxa espectral que, a um quarteirão de distância, invade o meu sábado exatamente às nove da manhã? Não dava pra você ser bom e, ao mesmo tempo, discreto, Ronald? Acho que você está pensando que eu é que sou palhaço... Se você quer fazer caridade, Ronald, faça. Mas não seja tão espalhafatoso. "O que a mão direita dá, a esquerda não precisa saber", ou vice-versa - só sei que está escrito na Bíblia, acho que no evangelho de Mateus.

Faça caridade, venda seus Mac Merda para os otários que acham isso gostoso, e até junte as duas coisas. Só não venha estragar meu sábado com a sua hipocrisia barulhenta.