24 de maio de 2004
Fé na vida

Eu, como provavelmente a maioria dos cariocas, prefiro o calor ao frio. Disparado. Detesto frio, a necessidade de usar muita roupa a ponto de me comprometer os movimentos. A verdade é que sou friorento demais e por isso preciso de tanta roupa. Nestes dias de inverno - de inverno carioca, ressalte-se - se pudesse, não saía nem da cama. Porque, por outro lado, não há época do ano melhor para dormir. O sujeito se enfia no casulo das cobertas, de meias e um bom pijama comprido de flanela e - adeus! A sensação de aconchego é incomparável: deve ser assim que se sentem os ursos quando hibernam. Sempre evitei viajar para países frios no inverno e não vejo a menor graça em neve. Sou definitivamente um carioca, entidade tropical e litorânea que idolatra o sol, o mar e a quase nudez do verão.

Mais: esses dias cinzas me pesam como se fossem anos, me deixando a alma úmida e fria, manchada do mofo de uma melancolia que nem é minha exatamente, espécie de sono que é um cansaço antecipado de todo o cotidiano provável. Nessas horas, o chocolate é um santo remédio. É bom pensar que dias assim existem exclusivamente para se comer chocolates. Porque chocolate pode até fazer mal ao corpo, mas faz muito bem à alma. Chocolate e café. Ânimo!

Eis o que tem me faltado: ânimo. Uma vergonha, leitor... Afinal, não tenho do que reclamar - e o ânimo é também uma forma de gratidão. Exemplos de fibra eu tenho. Minha mãe que, aos 83 anos de idade, tomou um tombo outro dia na rua, apesar do rosto ainda inchado, já está ansiosa para sair de novo e voltar aos seus afazeres diários.

Lá mesmo no hospital onde a levei para ser atendida, enquanto esperava que a radiografassem, fiquei conversando com uma mulata baixinha e gordinha chamada Rosângela. Falávamos coisas triviais até que de repente, com a maior naturalidade, ela começou a me contar sua história. Há três anos, descobriram que Rosângela estava com leucemia em estágio avançado. "Tem chance, doutor? Então vamos lá!", respondeu a moça.

Foram três anos em que Rosângela teve de ir diariamente ao hospital do Fundão, na Ilha do Governador, colher sangue para o exame de contagem de plaquetas. Para quem não é do Rio, vale a explicação: o hospital é longe de tudo, completamente fora de mão. Custou para que os resultados parecessem animadores aos olhos dos médicos. "Tinha dias em que era eu quem batia nas costas do médico e dizia: Tenha fé, doutor. Tenha fé!", Rosângela ri, fazendo cara de marrenta: " Eu dizia pra morte: Não adianta, você não vai me levar".

E não levou. Porque Rosângela tem fé - isso logo se vê em seus olhos, no seu sorriso. Minha mãe saiu da sala de radiografia antes que a moça pudesse me contar em que etapa está sua luta agora. Mas pelo que entendi, Rosângela venceu a leucemia. Seja de que jeito for, só por esses três anos, Rosângela venceu. Deus existe é nessa vontade de viver.