15 de novembro de 2004
Uma história de amor

No dia 14 de abril de 1951, por volta das sete e meia da noite, Hilda entrou no Café e Restaurante que até hoje existe na esquina da rua do Riachuelo com Lavradio para acompanhar a irmã, Irene, e o cunhado, Cunha, em um cafezinho no balcão.
Como de costume nos últimos meses, ela viera trazer o jantar de seu pai, Henrique, que se tornara sócio do Cunha, português como ele, em uma padaria algumas lojas adiante.

Hilda acabara de completar 30 anos e, à exceção da caçula, era a única das cinco irmãs e um irmão que ainda não casara.
Mas, pouco depois de entrar, Hilda notou um homem que jantava sozinho, sentado numa mesa no fundo do salão. Era um homem bonito, de cabelos muito negros cuidadosamente penteados para trás e uma pele morena que contrastava com a sedosa brancura de Hilda. Ao bater o olho em Antonio, Hilda não teve dúvida de que aquele era o homem de sua vida.

Hilda era uma moça bonita, como de resto todas as suas irmãs. A beleza delas fizera fama nas redondezas do Largo do Machado, onde moravam e o pai mantivera, durante décadas, uma barbearia muito bem freqüentada.

Ela já recusara vários pretendentes porque não sentira por nenhum aquilo que sentiu ao bater os olhos em Antonio: o amor. De nada adiantara a corte de cadetes, advogados e comerciantes - todos homens dignos, bem colocados na vida e imbuídos das mais sérias pretensões. Hilda os recusara com a mesma obstinada delicadeza que é a marca mais evidente do seu caráter.
Mas aquele homem que ainda nem sequer reparara nela, aquele homem, ela sabia, era o homem de sua vida.

Ela estava de viagem marcada, iria acompanhar os pais a Portugal. Mas a primeira coisa que fez ao chegar em casa foi comunicar à mãe que não iria mais porque acabara de conhecer o homem de sua vida. Sua mãe, Augusta, portuguesa como o pai, espantara-se com o que parecia uma ousadia insuspeita da filha mais equilibrada. Tanto que só sossegou quando as informações que recebeu do rapaz foram as melhores possíveis.

Hilda não saberia dizer quanto tempo ficou olhando Antonio que, com seu jeito metódico e absorto, dedicava-se a comer. Mas quando Irene lhe cutucou: "O que é, Hilda?", tudo que ela atinou em responder foi "Quem é aquele rapaz?". Não sabiam.
Mas não seria difícil descobrir. Eram, afinal, todos portugueses, e Antonio calhava de ser o padrinho da filha de Gil, o dono do restaurante. "Rapaz melhor não há!", ele disse, dias depois, quando Cunha foi tomar informações a seu respeito. Rapaz já não era. Iria completar 40 anos em setembro. Mas não se dizia. Forte e jovial, Antonio era também sério e trabalhador. Ao saber do interesse de Hilda, passou a freqüentar a padaria no horário do jantar de seu futuro sogro, quando ela ficava no caixa e tinham, os dois, tempo para conversar.

A história de Hilda e Antonio ainda passaria por alguns percalços como toda boa história de amor, mas em 8 de dezembro eles noivariam e em 8 de fevereiro de 1952 estariam finalmente casados. Para sempre.

Contei tudo isto para dizer que foi naquele distante 14 de abril de 1951 que eu comecei a nascer, leitor. Pois sete anos e nove dias depois, exatamente do outro lado da calçada, no Hospital da Ordem Terceira do Carmo, a mesma Hilda dava à luz a um menino que nasceria de olhos verdazulados e uma vasta cabeleira negra que provocava a admiração das enfermeiras e a inveja das mães dos bebezinhos carecas ao seu redor.