11 de abril de 2005
Recados

Você já parou para pensar o quanto pode ser intimidador para uma alma frágil e desconfiada do amor uma mensagem dita numa voz vazia e protocolar que avisa à pobre criatura do outro lado da linha que ele estará sujeito a cobranças após o sinal?
Meu Deus! Que sinal será esse que anunciará o fim da inocência paradisíaca onde tudo é permitido, comum a todas as relações em seu começo, e o ingresso no inferno mundano das cobranças cotidianas, a perpetuação do karma, a roda implacável que há milênios rói todas as esperanças de uma vida feliz?

"Onde você está?", "A que horas você chega?", "O que você está fazendo?" e toda uma série de perguntas muito precisas que até agora eram feitas com o único intuito de medir e avaliar o tempo e a distância que nos separa, como por encanto, a partir desse misterioso sinal, ganharão um outro tom, amargo e frio - tormento sem nenhum prazer que o compense.

Imagine, tente imaginar, o desalento do homem ao ligar ansioso para ouvir a voz que só de ouvi-lo ganha outra cor e outro brilho, as palavras quase sussurradas entrecortadas de risos e suspiros. Enfim, para ouvi-la, senão ao vivo, ao menos num recado gravado que, por mais genérico que seja, sua alma tola e desejosa de ilusão, saberá entender como uma mensagem cifrada especialmente para ele. Mas aí, para sua surpresa, o homem se depara com essa outra voz, anônima e universal como uma espécie de consciência coletiva, que o adverte da proximidade não do fim, mas da lenta e inexorável decadência no humano, demasiado humano.

Está bem, te negar virou em mim uma arte que pratico com tal graça que até a você já diverte, afirmação do teu domínio sobre este tonto que faz dançar sua sonsa indiferença menos para o teu riso, que me é tão caro quanto o teu gozo, e mais para disfarçar meu desespero, também sonso, por me ver arrastar para longe da praia da solidão onde vivo para um mar de que não vejo fundo.
"Não dá pé!", eu grito e finjo que acredito.

Mas não custaria nada você deixar um recado, um recado qualquer que nenhum de nós deseja engraçadinho, inspirado ou inteligente - não, não, isso definitivamente não queremos, pois isso, sim, seria um péssimo sinal. Um recado simples, óbvio - dizendo o número do telefone, as instruções para o recado de volta e um agradecimento final - já seria o bastante. Mas, isso, claro dito com a sua voz, com a sua voz pensando em mim, secretamente, de um modo muito íntimo. E sim, quem sabe alguma música ao fundo, Etta James em sua versão suingada de "Stormy weather", por exemplo.

Pronto! Para um senhor cheio de caprichos soa até modesto...
Mas é que convém ser discreto. A voz anônima e universal ainda estará rondando, vigilante e atenta, a nos ameaçar com o inferno frio das cobranças.

* * *

Fiquei impressionado. A crônica "Fumaça branca para um Papa negro", publicada aqui em 28 de fevereiro, recebeu nos sete dias seguintes à morte de João Paulo II nada menos do que 350 visitas. Para um site como o Café Impresso é um número bastante expressivo.
Parece que o cardeal africano Francis Arinze já lidera as bolsas de apostas, mas o que a intuição me diz é que os brasileiros especificamente parecem torcer mais por um papa negro do que pelo brasileiro Dom Cláudio Hummes.
Conversando com a Chica, a diarista que me socorre semanalmente, contei da possibilidade de um Papa negro. A reação dela foi exemplar: "E pode?", ela perguntou, perplexa. Talvez esteja na hora da Igreja mostrar que pode.