2 de maio de 2005
O garoto

Mal ponho os pés na estação do metrô e ouço que um trem se aproxima. Pela direção do som presumo que seja o meu, aquele que vai para o Centro. Me apresso e quando alcanço a bilheteria, o trem já está chegando à plataforma. É ele mesmo. Ao passar pela roleta as portas estão se abrindo. Acelero e no meio da escadaria a sirene toca avisando que as portas vão se fechar. Desço correndo os últimos lances e em dois saltos adentro o vagão, esbaforido e triunfante, para espanto dos demais passageiros.

"Um garoto", penso, rindo de mim por dentro e por fora, ao me ver, às vésperas de mais um aniversário, na imagem refletida no vidro da janela, transformada em espelho pela escuridão do túnel. A barriga está lá, discreta, mas inegável. Os óculos estão pendurados no pescoço, prontos a atender à emergência de qualquer leitura. Estão lá os cabelos brancos evidentes nas costeletas, mas espalhados por toda parte, ainda que os cabelos permaneçam firmes, sem lacunas.

"Um garoto" - repito, cheio de ironia - de tênis, calça jeans e camiseta. A ironia é mais por conta dessa minha dor nas costas do que pela sensível imaturidade de que padeço, às vezes com pesar, outras com alegria.

O espanto provocado pela minha entrada não durou mais do que alguns perplexos segundos. Todos sem exceção já retornaram ao olhar vazio que usamos no metrô, esses olhos que pendem opacos de todos os rostos para evitar cruzar com outros olhos. São olhos de não ver, olhos-venda - que se por raro acaso se fixam sobre alguém é mais por censura do que ternura. Evitamos gostar, evitamos nos envolver. Será isso a maturidade? Não, isso é só um modo de ir ficando velho. E é disso que fujo - esse talvez o cerne de minha recusa: um veemente não que é um apelo à vida.

Só um menininho me olha ainda. Está sentado ao lado de uma senhora que imagino ser sua avó. Não terá mais do que seis anos o menino, os cabelos cortados rentes como o meu, e apesar de um pouco pálido, tem os olhos iluminados de vivíssima curiosidade. E é com esses olhos que me encara longamente, me exigindo um retorno. Quando enfim, nossos olhos se encontram, sorrimos um para o outro com uma intimidade tão humana e natural que me surpreende pensar que nós, os adultos de olhos-venda, a tenhamos perdido - em nome de quê?

Não vejo carência no olhar do menino - e sua avó em nada difere da imagem que todos têm de uma "boa avó". Talvez seja essa a raiz que nutre a espontaneidade de seus olhos de menino curioso. Pisco um olho para ele e seu sorriso se abre ainda mais, enquanto ele se aconchega no corpo macio de sua avó. Por um instante, ele fecha os olhos como se absorvesse a calma vitalidade que dela emana e depois torna a me encarar, mas desta vez apenas para se certificar que eu permaneço ali - "um garoto" que só ele vê? Me alegra pensar que seja assim. Me alegra pensar que esse garoto sou eu.