16 de maio de 2005
Sobre cães e gatos

Estava lendo um texto de Waldemar Mendonça Reis sobre cães e gatos e fiquei pensando no fascínio que esses animais exercem sobre nós. Fascínio que, como ressalta meu amigo, supera em muito aquele que devotamos aos macacos, a despeito da óbvia semelhança que temos com eles.

Waldemar conjectura que cães e gatos estão evoluindo junto conosco e adquirindo hábitos e traços humanos e chegará, quem sabe, o dia em que nos alcançarão na escala evolutiva.

O que motivou seu texto foi o encontro, em menos de meia hora, com um cão e um gato, animais de estimação de dois vizinhos seus, e as reações contrastantes deles ao seu contato.

"A efusiva receptividade do cãozinho ao me ver, irrefreável - a despeito da coleira e dos ciúmes do dono - e não menos inconveniente, enlameando-me a roupa, contrastava com o obeso desinteresse do felino pela aproximação da minha mão previamente banhada, digo, livre de odores indesejáveis, mal se dignando a me dirigir o focinho e, sem alterar o passo lerdo e leve, seguir seu caminho." - escreveu Waldemar, em seu estilo inconfundível.

Apesar da minha pouca intimidade com animais, me aproveitei da experiência narrada por meu amigo para somá-la às minhas lembranças de contato com as duas espécies e tecer uma hipótese senão oposta, ao menos diversa daquela levantada por Waldemar (Essencialmente porque só acredito em evolução no sentido acrobático do termo, pois desdenho sua associação à idéia de progresso).

Minha hipótese é que cão e gato figuram os extremos da nossa alma, de nossa capacidade de afeto - aliás, como bem demonstram tanto os exemplos citados por Waldemar quanto a memória de todos nós.

O que quero dizer é que o cão encarna essa nossa disposição para nos entregarmos incondicionalmente a um qualquer que, por motivos insondáveis, represente para nós aquilo que chamamos de amor.

Já o gato é a encarnação do outro extremo, a olímpica indiferença compensatória que dedicamos a todos os demais, isto é, a todos aqueles que não nos torturam com a possibilidade ou a parcimônia de seu ansiado amor.

Desnecessário afirmar que somos, ao longo da vida - para não dizer "ao longo de cada dia" - alternadamente cão e gato, a exceção talvez daqueles tocados pela graça da condição exclusivamente humana. Eis o que explicaria, em minha opinião, o encantamento que cães e gatos despertam nos homens, mesmo naqueles que, como eu, não são afeitos ao seu convívio.

De fato, me incomodaria muito ver minha alma desfilar em pedaços diante dos meus olhos, a me recordar a dificuldade dela em encontrar a unidade e o equilíbrio.

* * *

Fiquei impressionado com a dificuldade de alguns leitores em aceitar que leis devem emanar de princípios, a despeito do gosto de cada um. Nada a ver com cultura ou inteligência. Acredito que a dificuldade resulte da crescente "subjetivação" do pensamento, induzida pelo relativismo.

Não há mais argumentos, mas meras opiniões, pontos de vistas, que se, por um lado, se igualam em sua falta de valor quando tomados individualmente ganham força enquanto "soma", estabelecendo assim uma "ditadura da maioria" - facilmente manipulável pelos meios de comunicação. E é exatamente essa "democracia relativa" que vai tomando forma diante de nosso olhar atônito.