25 de julho de 2005
Ulisses

Há muito tempo não chegava tão perto do mar. Tão perto a ponto da voz do mar se sobrepor ao ruído da cidade às suas costas. A voz do mar, que desde a infância o impressionava porque de tão forte se fazia gravar no interior das conchas. Lembrava-se de ficar por longos momentos, sozinho, sentado nos degraus da escada da casa de sua tia, com uma grande concha que servia de enfeite encostada na orelha, ouvindo, encantado, o que lhe diziam ser a voz do mar.

Agora, conforme movia a cabeça ligeiramente, conseguia ouvir o mar em toda a sua plenitude. Uma plenitude assustadora, não fosse a respeitosa intimidade que o unia a esse ser colossal: o mar. Via seu dorso evoluir lentamente desde o horizonte distante até vir, dobrando-se sobre si mesmo, se arrebentar diante dele, num turbilhão de branca efervescência.

Um animal imenso, incessante, indescritível que se espalhava igual por todas as praias do mundo, as unindo todas numa simultaneidade de espaço e tempo que só o sol rivalizava. O mesmo mar que lambera os pés de Ulisses vinha agora lhe beijar as mãos. Era ele então também Ulisses em sua muda contemplação do mar nas areias solitárias ao cair da tarde chuvosa e fria.

No céu nublado, uma lua cheia furava as nuvens com a sua luz, suave e firme.

O que tinha ele a ver com a cidade às suas costas?

O ruído metálico e a fuligem dos carros, a desconfiança e a pressa estampada nos olhos de tantos, o ostensivo mau gosto dos prédios que tomaram o lugar das casas, cuja singeleza era possível deduzir das poucas que ainda sobraram e resistiam, fechadas em si mesmas.

O que tinha a ver com tudo isso?

Saltara na última estação do metrô e viera andando devagar e absorto por dentro da cidade, por caminhos abertos na pedra, até dar na lagoa. O ar úmido e frio, a chuvinha insidiosa e sonsa, esvaziavam as calçadas, ressaltando a melancolia da natureza domesticada que ornamenta os bairros mais ricos.

Passara duas semanas em um lugar quase selvagem, onde os pássaros ainda não haviam aprendido a temer os homens e onde os homens de tudo faziam para que eles jamais viessem a temê-los. Voltara havia uns poucos dias e a paisagem cotidiana agora se exibia na exuberância de sua tristeza.

Teria Ulisses vacilado ao pisar de novo em Ítaca? Não sabia, mas ele em si mesmo não encontrava traço de vacilação. Enquanto esperava diante do mar a hora marcada para o encontro, sentia-se íntegro, calmo e vazio. Um vazio bom que era como uma espécie de refúgio.

Também o cheiro acre do mar sempre o inebriara. Podia senti-lo penetrar suas narinas e um frescor revigorante ir lhe impregnando todo o corpo. Aos poucos, sua respiração foi tomando o mesmo compasso do mar. Sentia-se - e nada mais esperava da vida. Respirou mais fundo e o peito se expandiu, desmesuradamente comovido.