19 de setembro de 2005
História chinfrim

Meu amigo Pedro Cintra vai concordar que a tal crise política do momento merecia um James Ellroy para contá-la. Para quem não está ligando o nome à pessoa, Ellroy é o autor de "Tablóide americano" e "Seis mil em espécie", saga política que mistura personagens reais e fictícios e narra a ascensão e morte de John e Robert Kennedy. Muita droga, sexo, violência e corrupção. No Brasil, Ellroy é mais conhecido pelo filme "Los Angeles cidade proibida", baseado em seu livro homônimo.

Falta um James Ellroy para captar o lado miserável e humano dessa história sem grandeza. Em contraste, sobram analistas deslumbrados que enxergam a cada dia um novo marco histórico (quando o único marco importante é o Marcos Valério) e confundem o histrionismo chinfrim de Lula e Bob Jeff com oratória e carisma. Chinfrim: eis uma palavra que define o cenário. O cenário e os personagens. Mocinhos, vilões e coadjuvantes todos se igualam na miudeza mesquinha de idéias e intenções.

A bufonaria retórica de Bob Jeff em seu discurso de despedida em nada difere do discurso "refundador" de Marilena Chauí num encontro de petistas, semana passada. O ridículo os une quando o deputado cassado se despede batendo continência e a professora encerra sua fala gritando "No pasarán!".

Mas o dom de iludir da professora é infinitamente maior do que o do candidato a canarinho de Petrópolis. A afirmação no tal "discurso refundador" de que o Brasil deve a democracia ao PT foi comentada por quase todo mundo, mas ninguém reparou nas palavras seguintes. Reproduzo o texto da Folha online: "Chauí lembrou que o PT foi criado sobre "duas idéias socialistas, a idéia da igualdade econômico-social e a idéia da Justiça". "E foram essas duas idéias que definiram nosso conceito democrático de cidadania. A democracia no PT não faria nenhum sentido se os fundamentos dela não fossem duas idéias socialistas."

Ou seja, a "democracia no PT" não se funda sobre o princípio da liberdade individual, mas sobre a noção de igualdade econômico-social. É estarrecedor. Pois, é de supor que fosse essa a "democracia" que o PT pretendia implantar no seu Reich caipira de mil anos.

Os "intelectuais petistas" rotularam de "burguesa" a democracia fundada na liberdade individual. Ora, democracia fundada na liberdade individual é um patrimônio da humanidade, conquistado depois de séculos de sofrimento. Não existe "democracia burguesa" ou "democracia socialista". Existe a democracia sem rótulos, fundada na liberdade individual. E ponto final. O resto é retórica mal intencionada de candidatos a ditador.

Retórica mal intencionada, mas útil. Venderam para Lula a idéia de que na "democracia burguesa" só se chegava ao poder pela corrupção. E Lula acreditou. Acreditou porque lhe convinha. Porque, se disserem a Lula que Deus existe, é capaz dele não acreditar. Mas, se disserem que Deus existe e é corintiano, ele se converterá em fiel fervoroso. Se disserem que além de corintiano, Deus é de Garanhuns, Lula se candidatará a bispo.

Mas, se Lula queria chegar ao poder, a turma do Zé queria era tomar o poder. É só nesse sentido que parece justo acreditar em Lula quando ele diz que foi traído. Lula sabia do caixa 2, do mensalão e de tudo mais que lhe venderam como instrumentos da tal "democracia burguesa'. Mas desconfio que não soubesse da extensão da máquina bilionária que Zé e os seus estavam armando para tomar o poder da mão dos velhos oligarcas.

O projeto de Lula era chegar ao poder e, depois da aventura presidencial, virar uma espécie de Orestes Quércia do PSDB dos pobres que sempre foi o PT. O projeto do Zé era se transformar num Fidel continental. Quem vai derrubar Lula, não é o Lula, mas o Zé.