26 de setembro de 2005
Primavera

Combinamos de ver a primavera chegar da minha janela. Não deu certo. Na hora marcada, a primavera se vestiu de inverno e entrou discretíssima, envolta em cinza e chuva. Nem a vimos se esgueirar pelas marquises, se escondendo de você, de mim e da lua.

Na verdade, nem juntos ficamos. Na hora marcada, outros imprevistos desviaram você do caminho. A vida é nuvem e nem sempre o vento coincide com a vontade. E assim, sem você, nem primavera visível passei o fim da tarde sem o alvoroço dos beijos e dos crepúsculos.

Mas notei uma coisa que muito me encantou.

Antes, é preciso explicar que vira e mexe, me dou, ou me dão, de presente uns vasinhos de flores, desses que se vendem nos quiosques das praças. Enfeitam, não custam caro e têm a cor da novidade. Duram pouco e logo descuido delas, involuntário homem urbano sem muito jeito para as plantas.

Estas que me alegram o parapeito da área de serviço, comprei para a festa de fim de ano que fiz para uns amigos e quem cuida delas é a Chica, que tem boa mão para plantas e temperos. E, graças ao seu carinho, as violetas vingaram. Pois, dos muitos vasinhos de flores que comprei para a decoração da festa, só dois resistiram. Um, de violetas desse roxo muito intenso que lhes deu o nome. O outro, de violetas brancas, delicadíssimas.

Resistiram, mas pensei que não dariam mais flores e as larguei de lado. Chica foi cuidando delas e elas viraram umas moitinhas espessas de folhas muito rústicas, cobertas por uma penugem que lhes confere uma inesperada humanidade.

Pois não é que, abrindo caminho por entre as folhas, de repente surgiram umas flores? Poucas, uma roxa e duas brancas. Mas despontando no alto do vaso, vitoriosas e exuberantes.

E o mais encantador é que elas apareceram exatamente às vésperas da primavera. Para ser honesto, eu nem me dera conta disso quando primeiro reparei nas florezinhas. O Rio não é um lugar onde o contraste das estações seja algo assim tão definido e a vida na cidade também não favorece essas percepções.

Foi só agora, quando me lamentava da falta de beijos e crespúsculos no fim da tarde, tomando um café solitário debruçado no parapeito da área, é que juntei tudo e percebi satisfeito que a primavera já tinha era passado por aqui!

Nada se perdera. Ela passara antes da hora marcada e me deixara as florezinhas nos vasos. E você, você também estivera aqui mais cedo, certamente para me avisar da primavera...

Enfim, sem você e as violetas não haveria primeiro dia de primavera para mim. Sem você e as flores, a primavera seria só um nome e uma ausência. E não essa súbita alegria e uma saudade que amanhã será satisfeita.

Sem você, as violetas e, devo acrescentar, a obrigação desta crônica que me deu a chance deste inesperado final feliz.