3 de outubro de 2005
Bolinhos de chuva

- É rabanada?

Sempre me sinto um pouco menino quando entro numa cozinha. Gosto de cozinha. É o melhor lugar de todas as casas. Sei fazer de tudo um pouco em uma cozinha e até hoje sou capaz de topar qualquer tarefa em troca de raspar uma panela ou ganhar um pedaço de comida ainda quente.

- Não, é bolinho de chuva...

Olhei, encantado: então aquilo eram os tais bolinhos de chuva?
Eu nunca comera. E confesso que isso quase me envergonhava. Era como se um sentimento de profunda incompletude se apossasse de mim a cada vez que lembrava que nunca tinha comido bolinho de chuva.

Fiquei olhando, atento aos detalhes, enquanto degustava o nome: bolinho de chuva. As gotinhas de açúcar cristal combinavam com a aparência ligeiramente úmida. O cheiro inconfundível da canela subia da massa ainda morna.

- Acabei de fazer... É pra vocês mesmo... Pode comer.

Não me atrevia. Bolinho de chuva, assim de primeira vez, não me parecia coisa que se comesse com displicência, sem conjecturas.

- É fácil de fazer...

O comentário parecia vir em resposta à interrogação que se desenhara nos meus olhos. Não guardei a receita, mas, se não engano, leva farinha, ovos, leite, açúcar...

- Você mistura tudo faz os bolinhos e frita... Depois é só polvilhar de canela e açúcar. Fácil...

Parecia mesmo fácil... Mas o que mais me encantou foi o segredo do nome:

- Bolinho de chuva é pra dias assim, quando chove muito e a gente não pode sair de casa para comprar coisas.

Que lindeza achei naquilo! O mundo continuará andando sempre em frente, sempre em frente, para melhor ou para pior - nunca sabemos, porque todos os caminhos são escuros ou intensamente luminosos.

Mas sempre haverá dias assim, de muita chuva, em que a vontade de ir à rua será nenhuma, e alma da gente há de se enrodilhar feito só os gatos, faminta de bolinhos de chuva cheirando a canela e açúcar...

- Pode comer... Acho que ficaram um pouco gordurosos...

Nada! Estavam deliciosos! A modéstia de minha amiga era só uma forma de carinho. E comi outro. E mais outro.

- Come bolinho de chuva, menino, come. Come o açúcar, a canela e o nome. E olha que há tanta metafísica nisso, de se comer um nome, quanto nos melhores versos de Pessoa.

E foi o que fiz, satisfeito e feliz.