24 de outubro de 2005
Vingança e perdão

Queria escrever uma crônica dura, sombria e triste. Uma crônica que amputasse dos corações até o último traço de esperança. Tão pesada que nem sequer fosse preciso lê-la para lhe sentir os efeitos.

Sua simples presença no jornal ainda dobrado e esquecido em um canto da casa bastaria para impregnar o ambiente de um mal-estar tão forte que manteria longe destas folhas as pessoas mais prudentes e sensíveis. E os que ousassem violar essa sensação de catástrofe iminente teriam os olhos tomados de lágrimas que lhes impediriam de passar das primeiras linhas.

Eu queria escrever algo que provocasse muita dor e muito medo. Dor no coração dos justos e medo no coração dos maus. Queria que o justo sentisse dor por sua justiça ter se transformado em complacência. E queria que o mau sentisse medo por sua maldade já não ser suficiente.

E que um e outro, pela simples presença desta crônica em sua casa, não encontrassem forças para levantar da cama e fossem tomados pelo estupor do arrependimento. Fechariam as janelas, trancariam as portas, desligariam os telefones e assim ficariam durante dias e dias. Dias e dias de ruas despovoadas e silêncio. O silêncio que tanto temem os que querem ser maus e os que pensam ser justos.

Eu queria escrever um texto devastador com a espada de um anjo, que purificasse uns e aniquilasse outros, sem poupar ninguém.

Mas, não. Há uma lua lá fora, imensa e branca que repousa sobre um céu de veludo. E há a delicada sensação de que faço bem a você. Sem esforço nenhum. Apenas acolhendo a revolta congelada em seu peito que agora se desfaz num choro soluçante. Não, ninguém dirá "Engole o choro!", querendo ser mau ou pensando ser justo. Não, ninguém fingirá não ver suas lágrimas por temer a dor ou o próprio medo.

"Os culpados perdoam. Os inocentes se vingam." Ouvi essa frase num filme de Robert Bresson e nunca mais esqueci. Sua vingança, meu amor, é se libertar da culpa para resgatar a inocência que você pensou perdida.

Chora... Não se envergonhe do seu choro ou do seu sofrimento. Também a mim acontece às vezes de sentir ódio, muito ódio. Ódio dos que foram maus pensando ser justos.

Eis que eu anuncio a hora da vingança: que os culpados ardam no perdão que oferecem aos seus algozes e morram juntos, abraçados. O texto que eu queria escrever já foi escrito e flameja no céu em letras de fogo para os que souberem lê-lo.