15 de maio de 2006
Dos sacramentos

Sem forças, sentia como se dele houvesse restado apenas o peso que largava sobre ela com languidez quase brutal. Deixaram-se ficar assim por longo tempo, inertes e silenciosos, num torpor de animal embriagado ou santo êxtase. Deixaram-se ficar assim, musgo e pedra, grudados. Lentamente, o mundo foi se recompondo com seus ruídos, horários e tarefas. Lentamente, o ânimo de mover-se foi lhes devolvendo à vida. Enfim, se levantaram com alegre contrição: o gozo lhes produzia uma espécie de pudor que era, ao mesmo tempo, tácita superioridade e compaixão por todo os viventes. E foi como monges que seguiram juntos para o chuveiro.

O chuveiro era já um outro sacramento. Podiam ver e admirar como em nenhum outro lugar a nudez vertical de seus corpos. E o faziam com muito gosto e algum senso prático. Esfregavam-se as costas e lavavam-se um ao outro com o minucioso carinho que só talvez as mães antes lhes houvesse dedicado. O banho restituía ao desejo a vigorosa pureza original e, livres de viscos e cheiros, a pele lisa e macia em seu frescor juvenil, podiam então voltar ao mundo. Sim, se na cama era a comunhão, no chuveiro era o batismo.

Enrolados nas toalhas, viram que ainda havia tempo para o café - quando então, sim, pensariam em casamento. Porque, sim, era quase sempre na cozinha que pensavam em casamento. Pensavam e, às vezes, até falavam desse sacramento, talvez o mais difícil de todos.

Falam - ou tentam falar - com uma honestidade que às vezes dói. Fazem assim não por convenção moral, mas por uma regra de sobrevivência: a mentira mata. Já morreram por isso antes e aprenderam que não é bom morrer desse veneno: ele mata muito, além e ao redor, e continua matando mesmo depois da morte.

Então, porque a verdade dói e a mentira mata, é preciso se mover na selva das palavras com cautela. E uma das palavras mais perigosas é justamente a palavra "amor". Só às vezes a empregavam, sempre cercada de silêncios.

Às vezes: era nesse ritmo tão avesso ao casamento que avançam. Para onde? Para si mesmos. Sentiam (sabiam) que neles o egoísmo natural se corrompera além do limite que a nobreza que adivinham na existência lhes permitia. Pouco lhes importava que esse egoísmo corrompido fosse ou não a norma do mundo: tal crença era o subterfúgio para uma raiva genérica e cega que de nada lhes servia. Eram indivíduos e não parte de qualquer rebanho. Eram? Buscavam ser. E essa busca os amparava: a única segurança que havia era o próprio caminho.

Mas eles também se amparavam mutuamente, como dois peregrinos. Era sua maneira de estarem casados. Era seu mais íntimo sacramento.