26 de junho de 2006
As noites

Eles me acordaram. Algo muito grave acontecera e eu estava sendo levado para ver. Eu já sabia o que era. E queria ver. Tinha medo, mas queria ver. Também não teria escolha: era melhor ir do que ficar em casa sozinho e acordado: eu não conseguiria mais dormir. Era madrugada já e a noite estava úmida e fria. Deram-me um agasalho de lã e calças compridas que eu ainda não aprendera a usar e que enfatizavam a solenidade do acontecimento.

Caminhamos silenciosos pelas ruas vazias àquela hora. Eu sentia meu nariz frio e minha testa formigando de calor. Não lembro se me esforçava para me manter sério, à altura dos fatos, ou simplesmente conjecturava sobre o que haveria para ver. Não eram mais do que cinco ou seis quarteirões entre uma casa e outra. Naquele tempo, a violência e o abandono ainda não habitavam as sombras e a noite pertencia apenas aos nossos fantasmas pessoais. Íamos, sem dizer palavra, a palavra. A palavra que eu nunca vira. Sabia dela dos filmes, dos livros, de remotas histórias de família. Mas nunca a vira.

Distraí-me pensando que, se não fosse julho, certamente não iria à aula amanhã. Ou já seria hoje? Não sabia ainda dizer. Era a primeira vez que andava na rua àquela hora. Sentia-me um adulto novato, mas não podia deixar de sentir também uma contrariedade infantil ao constatar que, nesse caso, perderia um dia das férias. Hoje - ou amanhã - não seria um dia de brincadeiras.

Nunca imaginara que à noite o silêncio das ruas fosse assim tão denso. Aquele trajeto, tão comum e diário, àquela hora tornava-se outro, novo, dotado de uma outra vida. Aquilo então era a noite, a noite alta em que se aconchegavam os sonhos...

Eu olhava tudo com olhos de surpresa, pura surpresa que só ao longo dos anos iria descobrindo os nuances da alegria, do medo, da indignação, do êxtase. Naquele instante, eu era todo surpresa e me descobria descobrindo as coisas: eu nascera para ver. Para ver, aprender e contar.

Quando chegamos na casa, moças e rapazes se apertavam no sofá e nas poltronas, ou se acomodavam de qualquer jeito pelo chão, tomando toda a sala. Eram os amigos dos meus primos. O sono e a tristeza se misturavam em seus rostos e lhes davam uma expressão de perplexa resignação. Entendi que deveria ficar com eles e me ajeitei como pude junto ao braço da poltrona mais próxima da escada. Não havia choro nem palavras, mas, na escuridão embaixo do sofá, os olhos do cão brilhavam de pura dor. Eu, que odiava esse cão, senti pena dele. De algum modo, ele também estava morto.

Os adultos estavam no segundo andar, mas intuí que ninguém me impediria de subir. A decisão era minha. E eu queria ver. Com fingida calma fui subindo lentamente a escada. Ninguém parecia notar ou se importar, apenas os olhos do cão me acompanhavam. Do alto da escada já era possível vislumbrar o quarto onde os adultos estavam reunidos ao redor do corpo de meu tio. Lívido e imóvel, ele estava morto. Fui me aproximando devagar, os olhos fixos naquele corpo desabitado: eu viera para ver a morte e não queria que nenhum detalhe me escapasse.