18 de setembro de 2006
Irrealismo lunático

Os leitores sabem que desde a crônica passada eu vivo no Mundo da Lua. Muito bom aqui. Há uma quantidade de seres imaginários digna de um dos muitos céus do Hinduísmo. E, no entanto, só nós dois existimos - em quartos separados, mas com imensas camas de casal. De plumas ou de molas, só depende de nossa produção cármica de cada dia...

Isso porque somos essencialmente bons ou os colchões variariam entre os de pregos e os de pedra. Mas somos bons. Só um pouco doidos, o que nos tem valido nossas melhores noites em colchões de plumas. Porque ser bom, às vezes, é só uma forma de vaidade - o que não chega a ser um pecado grave. Mas é a loucura que nos salva. No Evangelho do Mundo da Lua está escrito: "Bem-aventurados os bons, porque dormirão em colchões de mola. Mas só os loucos dormirão em colchões de plumas".

Mas, com eu nem sempre sou louco e, às vezes, também tento ser vaidosamente bom, me aconteceu de fundar um partido. Sim, no Mundo da Lua também existem eleições, ainda que não se saiba exatamente a finalidade delas. Desconfio que os seres que povoam o Mundo da Lua tomam as eleições como um grande concurso vencido por aquele que fizer o conjunto de promessas mais absurdo. O clima é de festa e a imaginação dos candidatos parece não ter limites.

Enfim, estava tomando banho e pensei: "Vou fundar um partido". E imediatamente criei o PIN, o Partido Irrealista Nacional. Não é difícil criar partidos no Mundo da Lua. A única exigência é ter um programa de promessas, claro. E isso não seria problema: eu poderia simplesmente copiar o programa do presidente Lula na eleição de 2002. Fome Zero, dez milhões de empregos, combate à corrupção. Enfim, seria um sucesso!

Mas decidi que seria mais ousado e coerente: um partido irrealista genuíno não deveria ter programa nenhum! Então resolvi copiar o programa do presidente para a eleição deste ano. Perfeito!

Já saí do chuveiro candidato e líder de todas as pesquisas que fiz em casa no caminho entre o banheiro e o quarto.

Mas o leitor não imagina o que aconteceu! Não sei se porque vivemos no Mundo da Lua, um lugar de seres passionais e volúveis, enquanto me enxugava, o Irrealismo Lunático rachou! Continuaram fiéis à minha candidatura e liderança, eu mesmo e você, meu amor. E, à minha revelia, se fundaram dois novos partidos: o PIOR, Partido Irrealista Operário Radical, e o MICO, Movimento Irrealista Conservador.

O PIOR lançou a candidatura de Eloísa Enéas, a mulher barbada do Cirque de la Lune. Com sua voz esganiçada e sotaque inconfundível, ela não pára de gritar o slogan do partido: "Quanto PIOR, melhor! Quanto PIOR, melhor!".

Já o MICO para deixar bem clara sua vocação conservadora, resolveu inovar e lançou um pingüim de geladeira como candidato. Gelaldo, como o pingüim gosta de ser chamado, é até simpático e possui uma qualidade mui aprazível: fala pouco e baixo. Só por isso, mereceria o meu voto.

Pois, diante da divisão do Irrealismo Lunático, decidi, enquanto refletia sobre que cueca vestir, dissolver o PIN e renunciar à minha candidatura. Desisti de ser bom por vaidade: serei só um pouco doido. "Bem-aventurados os um pouco doidos porque dormirão em colchões de plumas."