5 de março de 2007
Pedras, poemas e pardais

De súbito, percebo movimento na janela do quarto: há um pardal pousado no parapeito. Parece aproveitar a sombra da persiana para descansar do calor que faz lá fora.

Fico quieto e em silêncio: na árida geografia desta casa, onde há livros demais e vivos de menos (na verdade,de moradores regulares somos eu e as formigas), todas as visitas são bem-vindas. E em nossa mitologia, pássaros pousados na janela são sinais de fortuna e boa sorte.

Fico vendo: simpatizo com a nervosa perplexidade dos pássaros, sempre prestes a partir, movidos sabe-se lá por que pressas ou que medos.

Penso que uma crônica deveria ser como um pardal pousado na janela: breve, inesperada e desimportante. Bem, se não toda crônica, esta, ao menos, podia ter a leveza de um pardal pousado na janela. Faria o leitor eventual parar um instante, e nem exatamente refletir, mas admirar-se, tomado de uma surpresa alegre e esquecível, como quem acha uma foto desbotada na gaveta ou, vá lá, vê um pardal pousado na janela.

Mas, será o calor ou essa lua quase cheia ou que outra coisa insondável que me andará pela alma, hoje as palavras parecem não ter asas, duras e mudas como pedras.

Ora, pedras! Os japoneses fazem jardins com elas!

Então ficamos assim, leitor: se esta crônica não pode ser um pardal pousado na janela, será um jardim de pedras. Austera e econômica como o célebre poema de Drummond:

"No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca esquecerei desse acontecimento
na vida das minhas retinas tão fatigadas.
Nunca esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra."

Bom reler esse poema de Drummond e agora deixá-lo bem aqui, no meio do caminho, como uma pedra - e tão inesperada como um pardal pousado na janela.

Bom saber que mesmo no mais pobre dos dias sempre haverá um pardal, uma pedra ou um poema alheio que me ampare. E a crônica não faltará ao dever de estar aí, pausa e sombra para os olhos cansados.