12 de março de 2007
O perigo de estar certo

No alto, a lua lentamente é engolida pelas sombras e, de branca, púrpura se faz: lua que de mansa torna-se sangrenta.

Também em mim convivem, não sem desalentado espanto, a compaixão e a crueldade. Ainda há pouco, quando a música alta parecia deslizar no ar parado de tão quente, quis matar quem invadia assim tão sem cerimônia a minha calma. Foi um ímpeto, uma sombra. E o calor ou essa lua marcial não serviriam de pretexto: a História e as cadeias estão cheias de assassinos que começaram assim, amparados pela certeza de que agiam com justiça. Depois, nem mais de motivo precisaram para continuar matando.

A lua é afinal mais previsível. Sei dos seus eclipses, das suas fases e efeitos. De mim, sei apenas do meu esforço para conter a fera cuja violência não é menos cruel só porque deixou de ser mortal.

Não basta não matar; é preciso não desejar matar. E só não desejar matar também já não é suficiente; é preciso renunciar a toda forma de arrogância e crueldade. Não por covardia ou complacência; não por algum cálculo jurídico ou moral. Mas para abrir caminho à generosidade e à compaixão.

É difícil, dificílimo. E o maior de todos os perigos é, num confronto, se saber certo, genuinamente certo. "Protegei-me, Senhor, do perigo de estar certo", é o que toda noite peço a Deus - porque a errar eu já aprendi faz algum tempo (o que não é pouco!). Aprendi que o erro às vezes até nos humaniza. Mas a certeza pode desumanizar aquele que a possui.

A lua, que há pouco parecia outra, de novo resplandece imensa. Eles continuam festejando, barulhentos. Nem sequer viram o eclipse.