24 de setembro de 2007
A construção do mundo

Ainda a casa. Agora tudo quase pronto: as paredes na cor, as madeiras ganhando verniz, as prateleiras riscadas na parede, as tomadas à espera. Falta pouco. Mas falta - e depois de tantos dias esse pouco pesa. Trabalhou-se mais do que o esperado, o orçamento é curto, algumas coisas sobram, outras ameaçam faltar...

Desisti da idéia de que poderia sair desta empreitada com a casa montada como um set de cinema. Sábio conselho você me deu. "Mastigue devagar", sempre esqueço... A humanização do ambiente, a mútua adequação de mim e a casa, há de demandar tempo. Não só é muito melhor que seja assim; também não poderia ser de outro modo. A casa é uma extensão de mim. Não mera expressão ou representação. Extensão mesmo, prolongamento: é na minha casa que me estico.

A casa sou eu e minhas coisas.

Sinto falta das minhas coisas. As coisas têm vida. Tudo está impregnado de vida. Da vida de quem as faz, da vida que emprestamos a elas. Da vida que elas nos dão. Da vida que tomamos delas. Dar às coisas seu valor não é apego. É ao contrário um gesto de generosidade - com as coisas e consigo mesmo.

Despego não é desprezo. É digamos uma curiosidade sem expectativas que nem por isso dispensa o afeto, o carinho, o amor. Eu há algum tempo tenho pra mim que amor é atenção.

E amor é só isso: atenção. Uma medida facilmente quantificável porque atenção também é tempo. Só compreende de fato que amor é atenção quem conhece a dificuldade de se manter verdadeiramente atento, observando algo sem nenhuma intenção imediata além da satisfação de estar vendo.

É com essa atenção que se decora uma casa. Descobrindo o que falta ou o que excede em cada canto; criando cantos.

Falo isso com certo espanto porque até aqui a minha relação com a casa estava sendo muito funcional. A impressão que tenho é que em algum momento perdi a noção da casa como recanto. Ela era abrigo, sim. Sempre foi (Obrigado, casa!). Mas deixara de ser recanto.

Torná-la um recanto é já um convite a partilhá-la. Uma casa deve ser como um jardim que se cultiva.

Outro dia achei na banca de camelô um livro de Feng Shui. Acabei não comprando. Se ainda estiver lá, sou capaz de comprá-lo. Acabo de ler na internet que o Feng Shui é um ramo da filosofia chinesa, uma fórmula de articular o céu e a terra, a matéria e o espírito, a eternidade e o tempo. Gosto da idéia de uma filosofia que gera práticas, aplicações genuínas no cotidiano, até abarcar a totalidade da vida - para a construção do mundo, do meu mundo.