12 de junho de 2009
Madrugada

Há um silêncio que só se ouve na solidão da noite. É preciso ser noite, madrugada alta, e estar só, inteiramente só, despido até de pensamentos. E se mover pouco e lento, sem ruído, sem esforço, com a exata precisão dos gatos. E então se ouve a vida gestando a si mesma nesse imenso útero que é a noite. Só então se entende o quanto é novo, profunda e inteiramente novo, o dia que virá em poucas horas. Pode-se ouvir esse silêncio pleno, denso, da vida de novo se engendrando – e os ouvidos atentos são também parte desse feto que logo saltará da noite, solar, exuberante, centrífugo: Govinda, Menino Jesus, qualquer criança.

Mas agora ainda é o mistério de Maria, da vida brotando de si mesma pela força do Divino Espirito Santo, sob os cuidados do Arcanjo Gabriel. Antonio se acomoda nesse silêncio e apenas ouve, grato por essa dádiva tão inesperada quanto desejada: Antonio nada pede porque não há nada a querer além de estar aqui simplemente, ouvindo.

Novo, novo, novo tão profunda e misteriosamente novo. E tão simples que mal se pode dizer: Corpus Christi!
Mas se ouve.. E então tudo é templo.

(Escrevo, mas o teclado novo é tão macio e silencioso que mais parece uma extensão do meu pensamento que assim nem se pensa quase, escreve-se direto – e de novo tudo é milagre)

Sim, tudo reveste-se dessa aura de milagre que é não haver nenhuma necessidade ou causa, do hoje que se cria nada ter a ver com o ontem que se vai (ainda que aparentemente haja um cerne que perdure…). E entre um e outro, sem que o fluxo jamais se interrompa, há esse silêncio profundo e delicado que só as mães podem saber na intimidade. Por isso a mulher (cada mulher, toda mulher) é gloriosa e toda mãe deve ser amada e venerada por seu filho. “Obrigado, minha mãe por ter-me pacientemente feito como a noite engendra o dia. Obrigado por me trazer da densa treva até a luz”.

Antonio se surpreende por se sentir transbordante de amor minucioso e comovido. Paz, alegria, plenitude. Logo, logo será dia. Que estas palavras sejam como o pão quente, cujo cheiro antecipa os dias antes mesmo dos primeiros raios da aurora.

* * *

Amanheceu. A mente começa a tagarelar feito criança.